J. Pedro Corrêa – Pedestre é rei
A notícia que mais me chamou a atenção nesta semana que termina foi a da entrada em vigor do novo código de trânsito no Reino Unido e que tem mobilizado a opinião pública inglesa. Lá, como aqui, tampouco há unanimidade quanto aos efeitos práticos das mudanças aprovadas.
O que me mais me marcou foi a definição do que está sendo chamada de “a nova hierarquia de responsabilidades” dos usuários do trânsito no Reino Unido, escancarando o pedestre em primeiro lugar. No Brasil sempre dizemos que todos devemos zelar pelos mais vulneráveis. No novo código inglês isto também está expresso e não deixa margens à dúvidas sobre de quem é a prioridade no trânsito.
- Pedestres
- Ciclistas
- Cavaleiros
- Motociclistas
- Carros/táxis
- Vans/micro-ônibus
- Veículos de passageiros de maior porte/veículos pesados
Pode chamar a atenção de você, leitor, o fato de que o terceiro lugar pertença não aos motociclistas mas aos que andam a cavalo. Lembro que no Reino Unido muita gente, sobretudo ricos, andam bastante à cavalo, claro, nas áreas rurais. Eles são mais vulneráveis que a turma das motos.
Aparentemente o pessoal da bicicleta saiu ganhando nesta reforma do código inglês. Houve reclamações de que mais de 70% dos que responderam à consulta pública do governo inglês, em 2020, foram justamente os ciclistas e que por isso teriam sido mais beneficiados. Como a bicicleta tem aumentado sua participação na circulação urbana nas cidades britânicas e isto representa mais riscos e mais sinistros, é natural que seus adeptos busquem novas formas de proteção.
Convidei meu amigo e ex-colega de Programa Volvo de Segurança no Trânsito, Alan Cannell, para explicar as mudanças na legislação de trânsito do Reino Unido. Alan é inglês, da Ilha de Man, formado em engenharia de transportes pela Universidade de Leeds, Inglaterra, vive no Brasil, há várias décadas, foi da Prefeitura de Curitiba, atuou como consultor na equipe do ex-prefeito Jaime Lerner e correu o mundo dando consultorias para instituições internacionais nas áreas de trânsito e de transportes. Acompanha com interesse o que se passa no Reino Unido.
Alan me diz que o código inglês não é modificado há muito tempo e que, então, é natural que mudanças como as desta semana certamente provoquem fortes reações por parte da sociedade. Prevê conflitos entre usuários porque pedestres e ciclistas se sentirão mais protegidos, o que pode levá-los a se sentirem mais confiantes e, assim serem envolvidos mais facilmente em sinistros. Por outro lado, condutores de carros e mesmo de motos serão obrigados a cuidar mais dos vulneráveis. Pequenos erros no trânsito podem levá-los à presença do juiz e, eventualmente serem punidos.
Por isto mesmo, motoristas e até socorristas querem exigir dos ciclistas o uso de capacete, o que não está no código e, consequentemente será motivo de boas encrencas à frente. Quanto aos pedestres, parece não haver maiores problemas de prioridade e de respeito porque, de maneira geral, eles já eram bem respeitados ainda que sinistros envolvendo esta categoria aconteçam com certa assiduidade.
Alan chama a atenção para o fato de que haveria necessidade de um programa de comunicação muito maior do que o previsto para levar as mudanças do código de trânsito a todo cidadão inglês. Os meios tradicionais de comunicação, a mídia social, os portais que defendem segmentos da sociedade discutem dia e noite o tema. O debate vai longe mas tudo indica de que, no final, o trânsito mais seguro sairá ganhando.
Está aí um bom estudo de caso para o Brasil acompanhar e, principalmente aprender bastante para quando quiser mexer de novo no nosso CTB. Nosso código já foi mexido demais e muitas vezes, para pior. Seria importante que nossas lideranças do setor de trânsito possam observar com cuidado a experiência da aplicação do novo código inglês extraindo dele as melhores lições.
Pessoalmente vejo que nossos principais problemas no trânsito não dizem respeito exclusivamente à legislação mas principalmente à sua gestão. No Brasil, nada pode ser mais importante do que a morte de mais de 30 mil pessoas e as sequelas em centenas de milhares de outras. O que ouço por aqui, é a promessa de que o Pnatrans “vai cuidar disto”. Contudo, até que isto aconteça, quantos milhares de brasileiros vão morrer nas ruas e estradas do país esperando a segurança chegar.
Enquanto não temos um programa de prevenção de fatalidades consolidado e definitivo, deveríamos contar, pelo menos, com um plano provisório capaz de conter a dor maior enquanto as soluções definitivas continuam ainda sendo trabalhadas. Em época de eleições para cargos importantes e já no segundo ano da Segunda Década Mundial de Ações de Trânsito, este tema tem de ser inserido nas campanhas e merece algum tipo de resposta afirmativa.
É o mínimo que se pode esperar.
Artigo de J. Pedro Corrêa – Consultor em programas de segurança no trânsito