Entrevista com Luiz Carlos Xavier de Oliveira, o caminhoneiro brasileiro no gelo canadense

Entrevista com Luiz Carlos Xavier de Oliveira, o caminhoneiro brasileiro no gelo canadenseNatural de Ubatuba-SP e atualmente vivendo em Calgary, Província da Alberta, Canadá, Luiz Carlos trabalha na Westcan Bulk Transport, com um Mack Pinnacle 2009, transportando cimento, cal, fertilizantes, sal para estradas no inverno, explosivos, combustível e outros, em uma carreta Silo pneumática, além de outros implementos, pelas Provincias de British Columbia, Alberta, Saskatchewan e Território Norte.

Com 47 anos, trabalha há 23 com caminhões, e começou a carreira influenciado pelo pai e pelo irmão mais velho, para conhecer lugares e pessoas. Viajava com o pai nas férias escolares, assim adquiriu certa experiência na estrada. “Depois, foi fácil o resto”, disse. Depois de perder o pai, resolveu seguir os passos dele. Quando vivo, o pai era contra, não queria que Luiz trabalhasse com caminhões, mas a paixão falou mais forte.

Luiz viajou para os Estados Unidos, onde trabalhou em construção civil e panificação, e posteriormente trabalhou com outro brasileiro para começar com caminhões. Depois de certo tempo trabalhando na América do Norte, voltou para o Brasil e chegou a uma conclusão: “Não gosto da maneira como somos tratados no Brasil. Isso eu falo em relação a empresas e aos próprios caminhoneiros mesmo”.

A principal diferença entre o Brasil e o Canadá, de acordo com Luiz, é a organização das empresas e a responsabilidade de todos em relação ao transporte. Com quase sete meses de inverno, o Canadá faz com que o transporte de cargas seja muito solitário. Apesar de ser um país de primeiro mundo, as estradas, em sua maioria, são de pista simples e muito apertadas.

Para trabalhar no Canadá, além de conhecer o caminhão e saber dirigir bem, o candidato tem de ter inclinação para mecânico, além de coragem e boa saúde. Com temperaturas que chegam a 40º Celsius negativos no inverno, por muitas vezes o caminhoneiro precisa sair da cabine, para colocação de correntes nos pneus para vencer o gelo das montanhas, tanto subindo quanto descendo.

Ice Roads
Vista de uma Ice Road canadense

Outro problema no transporte é o enfrentamento das Ice Roads, estradas criadas sobre o gelo, onde o transporte é feito no inverno antes do degelo, quando as estradas ficam perigosas demais pelo gelo fino, ou simplesmente desaparecem. As estradas do gelo são tão cruéis com os motoristas, que muitos simplesmente desistem do trabalho, e nesta época do ano, sobram bitrens carregados, que precisam ser levados ao destino final antes do degelo. Agora, Luiz está transportando explosivos entre Calgary e o Território Norte, Yellowknife. Lá o implemento carregado é deixado para que seja transportado pelas Ice Roads até os destinos finais. No final da temporada de inverno, Luiz faz viagens nas Ice Roads, para auxiliar no transporte das cargas antes do degelo.

Um grande problema enfrentado nas estradas canadenses são os motoristas sem preparo para enfrentar o gelo, que acabam se envolvendo em acidentes. Apesar de não serem tão comuns, Luiz conta que, dependendo do destino da viagem, cada saída de casa é uma despedida.

A solidão é outro grande problema nas estradas do Canadá. Luiz brinca: “É mais fácil falar com um urso ou um alce”. Em contrapartida, sobra qualidade nos postos de combustível e áreas para descanso, que não são muitas, mas que tem banheiros e chuveiros, geralmente muito limpos. Para tomar um banho, se abastecer não paga, mas se precisar pagar o valor não ultrapassa os 10 dólares.

Quanto ao descanso, Luiz nos conta que dirige por no máximo 13 horas, e sempre descansa 8 horas. Porém a lei obriga que não se dirija mais que 70 horas em 8 dias, e é necessária uma folga de 36 horas depois desse período. Caso não dê tempo de chegar em casa, a empresa paga alojamento e mais um bônus de 150 dólares por essas 36 horas.

No geral, Luiz passa no máximo 15 dias fora de casa, e geralmente está em casa nos finais de semana. Na temporada em que trabalha nas Ice Roads, acontece de ter de ficar até 8 semanas fora de casa, onde a empresa fornece alojamento com restaurante e lavanderia, mas a saudade aperta, e é algo que Luiz tem que administrar muito bem.

Quanto ao uso de drogas ao volante, Luiz diz que é um problema existe no Canadá, assim como no Brasil, porém, lá o caminhoneiro passa por exames antidoping antes de começar a trabalhar, e também são escolhidos aleatoriamente pela empresa para realizar o exame. Se recusar fazer está demitido, se der positivo também. E isso é inserido na carteira de motorista, como um histórico. Para todas as empresas em que o motorista tentar uma vaga vai aparecer essa condição, por isso, um caminhoneiro que foi flagrado nos exames como usuário de qualquer tipo de droga, dificilmente vai conseguir um bom emprego novamente.

A imprudência no trânsito e acidentes ocorrem, mas em menor quantidade se comparados ao Brasil, por causa da frota menor e também da legislação mais rígida, com multas nada suaves. As imprudências são cometidas em sua maioria por motoristas estrangeiros, principalmente do antigo bloco soviético, que repetem atitudes dos seus países no trânsito canadense.

O povo canadense, no geral, é solidário no trânsito, e sempre que podem ajudam quem precisa. Luiz também disse já ter ajudado muitos desconhecidos, que acabam tendo problemas em estradas remotas, com pouco tráfego, e podem ficar expostos à temperaturas que chegam aos -40ºC. Nem sempre os motoristas estão preparados para tais situações .

Quanto às estradas, o asfalto é bom, mas sofre também pelas baixas temperaturas, que causa rachaduras e levantamentos do asfalto, por causa do derretimento do gelo durante o dia, que infiltra nas trincas do asfalto e recongela durante a noite, expandindo o asfalto, e fazendo com que ele levante. Animais na estrada também causam acidentes, principalmente bufalos e alces, e também estradas sinuosas demais, além do terreno encharcado que eventualmente cria elevações e depressões na pista. Porém esses defeitos são logo corrigidos.

A polícia não atrapalha o motorista que está com todos os documentos em dia, e até deixa passar algum problema menor, mas que deve ser corrigido antes da próxima fiscalização. Se não for arrumado, o caminhão pode ficar retido até regularização.

De acordo com Luiz, nenhuma empresa pode forçar o motorista a sair com um equipamento com defeito, realidade muito diferente do Brasil. O caminhoneiro é totalmente responsável pelo equipamento que dirige, por isso, caso se envolva em acidentes, desculpas do tipo “falha nos freios” não colam. O motorista será culpado, por não ter inspecionado o equipamento. Antes das operações, o caminhoneiro faz uma checagem de vários itens do caminhão e assina uma folha, garantindo que tudo está funcionando como deve. Caso algo esteja com problemas, ele deve avisar a empresa, que envia o serviço de estradas para realizar o reparo.

Todo caminhoneiro recebe treinamento antes de começar a trabalhar, seja do tipo de transporte que for. As empresas investem no caminhoneiro, que é pago para aprender.

Outro ponto é a facilidade de troca de caminhões, com muito pouca burocracia, que facilita a vida das empresas, reduz acidentes e a poluição. “É mais fácil comprar um caminhão do que um celular”, completa.

Para conseguir um emprego no Canadá, o primeiro ponto é ter experiência, pelo menos dois anos, além de segundo grau completo, e falar inglês ou francês fluentemente. A documentação necessária inclui comprovante de escolaridade, ficha de antecedentes criminais da Polícia Federal, do Estado e Judicial. Outro ponto é esquecer os vícios do país de origem. No Canadá você terá que aprender tudo novamente.

No tempo em que trabalhou nos Estados Unidos, Luiz tinha um serviço de vídeo ao vivo, que transmitia para mostrar aos brasileiros o seu dia-a-dia na estrada. O Blog do Caminhoneiro era um dos seguidores, e sempre haviam conversas, paisagens e histórias novas. Hoje, Luiz deixou de fazer tal transmissão, pois o serviço no Canadá é muito caro. Até pensou em fazer algo com uma assinatura, onde os interessados pagariam para ver, porém ele desconsiderou a ideia. Luiz foi o primeiro brasileiro a ter uma transmissão ao vivo direto de um caminhão, e também é o primeiro brasileiro a trabalhar nas estradas de gelo do Canadá.

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=0DEQMOvY1qg]

Quando pedi a Luiz uma dica para quem está iniciando na profissão, ele foi direto: “Aos jovens que pensam em entrar na profissão, eu diria, se espelhem em profissionais, temos muitos. Não ache que dar quebrada de asas faz você melhor que eu ou qualquer outro profissional sério. Faz de você mais um idiota que esta contribuindo para que nossa categoria seja classificada como lixo. O DJ drogado está a ficar rico com vocês escutando as cretinices dele e a apologia ao uso de drogas. Seja profissional e honesto… Lutem por melhorias na classe e denunciem os drogados. Amanhã, você ou uma pessoa que você muito gosta por ser vítima de um desses que se intitulam os ninjas. Ninjas nunca chegarão a ser mestres… Geralmente eles não aprendem tudo”.

Outra dica que foi pedido foi quanto à trabalha na América do Norte. Ele disse: “Esqueçam o USA, pois é impossível se legalizar como motorista. No Canadá nem todas as Províncias legalizam nessa profissão, e as que legalizam são nas áreas mais remotas do país e vão exigir de você perseverança, paciência e disposição para lidar com a solidão das estradas aqui. Deixe o jeitinho brasileiro de ser aí. Se for pra vir fazer baderna e sujar a reputação dos brasileiro que vivem aqui é melhor ficar aí. Já temos mais que suficiente desses tipos aqui fazendo isso.”

Rafael Brusque - Blog do Caminhoneiro

Nascido e criado na margem de uma importante rodovia paranaense, apaixonado por caminhões e por tudo movido a diesel.

23 thoughts on “Entrevista com Luiz Carlos Xavier de Oliveira, o caminhoneiro brasileiro no gelo canadense

  • 29/03/2019 em 19:37
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    Estou querendo entrar, nesta profissão, como faco para descobrir onde estão contratando?

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  • 07/07/2018 em 13:57
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    Meu nome é Mazzo, tenho 58 anos, tenho carteira de motorista letra E, desejo muito ir pro Canadá trabalhar de carreteiro. Alguém pode me ajudar à chegar até lá???

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  • 08/07/2017 em 13:38
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    Des de ja agradeco por sua boa vontade ok luis

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    • 22/04/2018 em 17:40
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      Me chamo Tiago sou motorista carreteiro automo e quero mto ir pro Canadá, vc pode me dar umas dicas por onde começar,
      Desde já agradeço.

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  • 08/07/2017 em 13:36
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    Falo ingles fluente sou motorista di carreta. Como faco pra ser contratado por uma empresa canadence . tenho esperiencia

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  • 13/06/2014 em 21:33
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    tenho 17 anos, des dos 10 anos já tinha vontade de ser caminhoneiro, e tenho muita consciência no erro e nos atos desses “ninjas” …e quero unir essa vontade de ser caminhoneiro a vontade e o sonho de morar no canada, gostei muito de tudo e de todos que comentaram ai…e espero dirigir nas ice roads e representar com orgulho e respeito essa classe que hj em dia aos olhos de muitos no Brasil não tem valor nenhum

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  • 16/03/2014 em 18:01
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    esse e o nosso amigo luis. muita força de vontade e muita garra pra enfrentar situaçoes dificeis. Deus esta contigo amigo. palavras do seu amigo carlton andrew.

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  • 26/02/2014 em 13:17
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    Eu trabalho em São Bernardo do Campo e aqui passa cegonhas constantemente. Isso não seria nada de mais se a maioria desses desgraçados não ficassem buzinando quando vê cegonha da mesma empresa no outro sentido.
    Hoje olhando pela janela peguei vários da SADA fazendo isso… Tem dia que é insuportável.

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  • 25/02/2014 em 11:33
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    Conheço muito bem o gelo. Trabalhei durante 15 anos na europa com caminhão, e como o nosso companheiro, estou atualmente no Brasil, não como caminhoneiro porque aqui as condições são precárias, os ganhos uma vergonha, as estradas outra vergonha e a categoria é muito discriminada e explorada. Estou me preparando para voltar para europa, e voltar na profissão. A vida lá é mais barata, os caminhoneiros são mais respeitados, as condições são melhores, as estradas ótimas e, lógico, os ganhos melhores. E melhor ainda: lá não existe pt.

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    • 25/04/2014 em 22:40
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      aplausos pra ti! certíssimo !
      Se eu não conseguir o Canadá, tbm tentarei a Europa.

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  • 24/02/2014 em 22:46
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    Quem quiser vencer na vida deve fazer como os seus sábios: mesmo com a alma partida, ter um sorriso nos lábios. Grande Guerreiro meu Orgulho ! Te amo Paizão…

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  • 24/02/2014 em 22:33
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    Seria bom se ele tivesse comentado quanto ganha um motorista, se tem diferença dos veteranos para os novatos, essas coisas que nos deixam curiosos!

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    • 25/04/2014 em 22:38
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      base: 26 dólares A HORA de trabalho. Mas há diversas regalias, e outros tipos de rendimentos. Até 3 férias por ano, alojamentos, diárias, seguros, auxílios, alimentação.. assistência para a família em casa..
      Se tira 150 mil dólares por ano, ou mais.
      Lembrando que o custo de vida lá, é mais barato que o Brasil. Leite 1 litro: 90 centavos, pão fatiado: 80 centavos…

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  • 24/02/2014 em 22:27
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    Se eu fosse um pouquinho mais novo iria me dedicar as aulas de inglês, para tentar conduzir um caminhão aí no gelo, com a mentalidade e o caráter que tenho, trazidos do berço e aumentados pela idade, duvido que fosse envergonhar algum conterrâneo, mas já estou 51 anos!

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  • 24/02/2014 em 20:04
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    Meu grande amigo mais conhecido como ‘Lobão’ homem batalhador, pai de família e o grande exemplo para os que estão começando, ou começaram errado na profissão, parabéns Lobão, abraços.

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  • 24/02/2014 em 19:28
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    Boa noite a todos
    Gostaria de poder trocar e-mails com o Luiz Carlos Xavier de Oliveira porque tenho vontade de trabalhar no Canadá,nestas estradas.Já tenho carteira de motorista categoria E,mas preciso de prática.
    Caso seja possível aos redatores enviarem este e-mail ao Luiz, ficarei agradecido.
    Parabéns para este cidadão brasileiro que representa muito bem o nosso país .

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    • 25/04/2014 em 22:36
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      Estou na labuta pra tentar tbm! guarde ao menos 30 mil reais. Você precisa ficar lá, ser fluente na língua e realizar os cursos da auto-escola de lá. Com visto de trabalho, será uns 2 anos para conquistar a carteira de lá. Depois de mais uns 2 anos de experiência lá, pode-se tentar uma vaga para long haul truck driver.
      Estou tentando tbm! não desanime!
      immi-canada.com
      comece pelo inglês!

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  • 24/02/2014 em 18:18
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    Quando se conhece outro pais de primeiro mundo damos conta de quanto o BRasil e um atraso em todos os aspectos. Infelizmente. Fica dificil ate de voltar ate mesmo com a familia ainda vivendo nas terras tupinikins. Abracos aos motoristas profissionais, aos Ninjas (so sorry guys).

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  • 24/02/2014 em 15:55
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    Disse tudo, Luiz… principalmente para os “idiotas ninjas” que pensam que sabem tudo. Tipo: cegonheiro da Sada, que faz rota BH/SP em menos de 7 horas, andando no limite e jogando a gente pra fora da estrada… dá nos nervos!!!

    Abs e que Deus continue cuidando de você e sua família! :)

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    • 05/04/2014 em 15:22
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      e vc e um baita de um panaca me adicione no face emerson zoraski e se vc nao anda ta mais q certo te jogar pra fora da br

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  • 24/02/2014 em 15:23
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    Esse é o Capitāo Luis, rápido e direto, sempre dando o papo reto.

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    • 08/07/2017 em 13:10
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      Sou motorista de caareta falo ingles fluente como faco pra. Ser contratado por uma empresa canadence

      Resposta

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