J. Pedro Corrêa – Inovações
Uma das coisas que me desagrada por aqui é o fato de quase não ver a comunidade do trânsito discutir inovações anunciadas em outros lugares do mundo e que poderiam despertar atenção da sociedade brasileira. Participo de inúmeros grupos de discussão e sinto falta disto. Como não somos um país ‘de ponta”, acabamos importando um mundo de soluções já aplicadas em outros lugares. Isto se aplica muito no universo do trânsito e passa por veículos, componentes, acessórios de segurança, técnicas de gestão, etc., que tornam nosso trânsito, carros e caminhões cada vez mais parecidos com os de outros mercados.
O que me chama a atenção é a falta da discussão sobre estas novidades e dos benefícios que provocariam seja na segurança, na gestão do fluxo do trânsito ou mesmo das melhorias do meio ambiente.
Não é que não saibamos desses fatos com antecedência. A imprensa internacional os veicula, discute estas novidades assim que surgem. A imprensa automotiva brasileira também faz os mesmos registros na suas colunas especializadas e tece seus comentários. O que não entendo é como estas notícias não são discutidas no universo do trânsito que deveria tanto se interessar por elas.
Vou dar um exemplo: desde algum tempo tem sido divulgado que carros novos dos países da União Europeia passam a utilizar uma nova tecnologia chamada ISA (Intelligent Speed Assistance) ou seja um assistente inteligente de velocidade. Como o próprio nome diz, trata-se de equipamento colocado no sistema de freios dos carros que alerta e, de certa forma até dificulta, de forma eletrônica, que o motorista exceda a velocidade.
Este equipamento esteve em testes na Europa durante 20 anos, sofrendo aperfeiçoamentos sistemáticos ao longo deste tempo. Eu mesmo tive oportunidade de conhecê-lo na Universidade de Lund, no sul da Suécia, na fase inicial de testes, lá por 2003-2004. Me lembro da sensação estranha quando acelerava o carro e de repente o pedal do acelerador travava e não respondia ao comando de aumentar a velocidade.
Pois bem: a União Europeia está anunciando o ISA como uma das grandes armas para combater o excesso de velocidade em todos os seus países membros. A prefeitura de Nova Iorque está iniciando um teste-piloto na cidade com 50 carros com tecnologia ISA, para posteriormente determinar a obrigatoriedade do seu uso a partir de 2024 por todos os veículos destinados aquele mercado. Na verdade, Nova Iorque também está discutindo por estes dias a adoção de medidas para dotar os veículos de um conjunto de tecnologias que aumentarão em muito a segurança veicular e, consequentemente ajudarão a baixar a violência no trânsito da maior cidade dos Estados Unidos.
É uma pena que nossa comunidade ligada ao trânsito não seja envolvida mais em discussões deste tipo que seriam tão benéficas aos brasileiros em geral. Quando defendo o fortalecimento da cultura de segurança no trânsito no Brasil, me refiro também a esta falha na pauta dos grandes temas a serem debatidos pela sociedade. Muitos dos sinistros fatais que ocorrem no Brasil poderiam ter sido evitados se discussões sobre o uso de novas tecnologias fossem amplamente conhecidas pela sociedade.
A maior exceção, nestes últimos anos, foi a divulgação da experiência do Visão Zero, iniciada na Suécia no fim do século passado e que está em certa evidência no Brasil. Tomando como exemplo o Visão Zero, podemos ter uma ideia de como vamos nos familiarizando com progressos na segurança no trânsito e, assim, melhorando a qualidade de vida no trânsito das nossas cidades e do país como um todo.
Por que isto acontece? O que chamo de falta de interesse, é possivelmente resultado de um hábito nosso de pouco ler jornais e revistas ou de procurar com maior insistência na mídia, assuntos que possam ser da curiosidade da sociedade e assim melhorar sua cultura de segurança no trânsito.
Qual é a importância disto? O quanto isto nos faz falta, efetivamente?
A resposta a estas simples perguntas está no número de sinistros, de mortos, feridos, de perdas materiais que registramos a cada ano nas nossas ruas e estradas. Tivéssemos mais informações, dominássemos mais estas matérias e certamente poderíamos fazer outras escolhas no trânsito, mudar nosso comportamento inseguro e assim ganhar a qualidade de vida que tano invejamos nos outros.
Entendo que procurar inserir/aumentar estes temas no cotidiano nacional é da responsabilidade daqueles que lidam com o trânsito no nosso país, como nós, que escrevemos e debatemos o trânsito. Temos que lembrar que, quando melhoramos o nível da sociedade, estamos elevando também o nível dos nossos familiares, filhos, netos, parentes e amigos mais próximos procurando assegurar um futuro melhor para toda a nação.
J. Pedro Corrêa – Consultor em programas de segurança no trânsito
jpedro@jpccommunicação.com.br