HISTÓRIA DA ESTRADA – SONHO PELA METADE
Sonhava em ser carreteiro.
Comprar um cavalo, não consegui.
Tive de me contentar com um estradeiro.
Lembro bem o dia que o vi.
Era um bonito caminhão.
Ford F vinte e dois mil.
Já servia para minha ilusão.
Caminhão como nunca se viu.
Trabalhei com ele durante anos.
Conhecia todas as manhas da marcha.
Descia, subia e andava bem nos trechos planos.
Toque em um botão passava da caixa alta para baixa.
Mandei trucar o Fordão.
Poderia levar mais carga.
Dirigia feliz o imponente caminhão.
Quem gosta da profissão não larga.
A crise chegou e o trabalho ficou escasso.
Tinha de buscar outros meios de ganhar o pão.
Precisavam de uma carreta, pensei: “O que faço”?
Não tinha dinheiro para comprar um novo caminhão.
Conversei com amigo de oficina.
Ele falou: Esse chassi, a gente poda”.
Transformá-lo em cavalo, sua sina.
Instalamos nele uma quinta-roda.
No começo achei loucura.
Contudo, depois pensei: “Por que não”?
Caminhão cascudo acostumado a lida dura.
Autorizei a fazer nele a transformação.
Encurtou o chassi e fez reforço.
Quinta roda e mangueiras de ar.
O Ford levaria semirreboque no dorso.
Vinte toneladas, poderia tracionar.
Quem entra na chuva é para se molhar.
Já que tinha começado não ia desistir.
Mais conforto na cabine, mandei alongar.
Não via a hora de entrar nele e dirigir.
Depois que o Ford ficou pronto.
Não podia acreditar no que via.
Ficou imponente, nem te conto!
Meu sonho de carreteiro realizaria.
Para pagar a oficina pelo serviço.
Pedi para o amigo aguentar as pontas.
De honrar essa dívida não seria omisso.
Sempre paguei em dia as minhas contas.
Comecei a trabalhar com o Ford.
Agora transformado em cavalo.
Não poderia contar com a boa sorte.
Para qualquer canto do Brasil ia levá-lo.
Não foi fácil a minha adaptação.
Dirigir uma carreta é outra conversa.
Tem carroceria e não semirreboque o caminhão.
Se não segurar, pela rodovia ela se dispersa.
Aos poucos fui aprendendo a lidar.
Não dava mais medo aquela carreta imensa.
Colocar dentro do barracão, conseguia manobrar.
Com o caminhão, é grande a diferença.
Puxando semirreboque baú carregado.
Levo móveis e várias mercadorias.
Pago as contas, mas o dia é trabalhado.
Já rodei por muitas rodovias.
O tempo passou bem rápido.
Os bitrens dominam o tapete preto.
Na escola da vida sou catedrático.
Sou professor na arte de fazer carreto.
Meu Ford continua na batalha.
A idade chegou para nós dois.
O motor do bruto não me falha.
No transporte, fazemos o feijão com arroz.
Meu corpo já não é mais o mesmo.
O cansaço físico é grande.
Com meu Ford não ando mais a esmo.
Igual a ele não há outro que igual ande.
No início sonho estava pela metade.
Mas de fazer transformação tive coragem.
Nessa vida nunca tive nenhuma vaidade.
Para mim, é fazer o melhor a cada viagem.
Autor: Roberto Dias Alvares