J. Pedro CorrêaZ-Colunas

J. Pedro Corrêa – Utopia brasileira

A reputadíssima The Lancet, uma das mais antigas revistas médicas do mundo e descrita como das mais prestigiadas, publicou na edição de junho passado ótimo artigo sobre os maiores riscos de sinistros graves e fatais no trânsito mundial. Nele, especialistas estimam o número potencial de vidas salvas se cada país implementasse intervenções para atacar os fatores de risco para lesões no trânsito. Os números são de impressionar (https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(22)00918-7/fulltext).

Os especialistas que assinam o artigo estimam que, dados de 2018, só no Brasil poderiam terem sido salvas cerca de 18.000 vidas, caso houvesse uma eficaz política de combate aos excessos de velocidade (naquele ano, pelos números do Datasus, tivemos 32.655 mortes no trânsito). Na Europa, atribui-se ao excesso de velocidade, cerca de 30% das fatalidades no trânsito, o que significa que nosso índice é bem pior.

Só ano passado, nas rodovias brasileiras monitoradas pela Polícia Rodoviária Federal, segundo seu anuário 2021/2022, foram aplicadas pouco mais de 2,5 milhões de multas por excesso de velocidade (para quem ficou entre 20 e 50% acima do limite permitido). Isto é mais de 10% do total de todas as multas realizadas. Pelos dados da PRF, durante entre 2011-2020, a velocidade foi responsável pela morte de 64.072 pessoas, deixando mais de 900 mil feridos, um absurdo.

A pergunta que cabe fazer já não é mais “por que excedemos a velocidade” ou “o que fazer?” pois isto já sabemos de cor e salteado. A pergunta correta é “quando vamos enfrentar com seriedade este problema?” Não nos faltam informações do que precisa ser feito.

Nos faltam: vontade política, coragem, ajustar o Sistema Nacional de Trânsito à realidade e um plano de ação nacional realista que leve em conta as várias realidades brasileiras. É claro que não podemos usar a mesma estratégia do Rio Grande do Sul no Rio Grande do Norte, muito menos o que deveríamos fazer no Ceará e aplicar no Mato Grosso. Cada estado tem suas características e, por consequência, terá soluções específicas. O que precisamos, então, é de um projeto nacional que contemple as particularidades regionais e que garanta os recursos adequados para cada estado. Para muitos isto pode parecer demais, mas não podemos ficar repetindo as mesmas ações de sempre(?) na esperança de obter resultados diferentes.

Ainda que não tenhamos a estrutura ideal no atual Sistema Nacional de Trânsito, podemos, sim, montar um plano decente de enfrentamento da velocidade e colher resultados muito bons, tanto do ponto de vista social (diminuição da dor social pela morte de uma pessoa) quanto ao custo econômico, considerando os gastos de atendimento de emergência, hospitalização, danos materiais, produção/produtividade etc.

Um estudo do IPEA/ANTP/PRF da década passada, atualizado em 2020, informa que, em média, cada acidente custa à sociedade brasileira R$ 261.689,00 sendo que um acidente envolvendo vítima fatal teve custo médio de R$ 664.821,00 (dados de 2014). Mesmo assumindo valores 20 ou 30% distantes destes mencionados, imaginemos quanto custam ao país 18.000 sinistros a mais ou, olhando pelo outro lado, quanto o país economizaria com todas estas mortes (e danos) a menos. Qualquer conta de padaria mostraria o tamanho da inconsequência brasileira.

Se o país pode se dar ao luxo de desperdiçar bilhões de reais com sinistros de trânsito, será que não pode investir modestos percentuais desta montanha de dinheiro num amplo e organizado programa de contenção? Assim como, aparentemente, não sabemos de onde tiramos o dinheiro que desperdiçamos, haveremos de saber de onde tirar o dinheiro que precisamos para investir num plano decente.

De novo, acabamos retornando ao ponto de partida de tantas outras conversas anteriores que explicam por que temos a (in)segurança no trânsito que temos e porque não a melhoramos: nos faltam mais organização, um pouco de ousadia, um mínimo de recursos humanos e financeiros e… uma nova utopia, uma Visão Zero à brasileira, para valer!

Precisamos repensar com vigor nosso modelo de segurança no trânsito e para obter melhor resultado, necessitamos redesenhar o sistema atual. A realidade atual não nos atende desde muito tempo.

J. Pedro Corrêa – Consultor em programas de segurança no trânsito
jpedro@jpccommunication.com.br

Rafael Brusque - Blog do Caminhoneiro

Nascido e criado na margem de uma importante rodovia paranaense, apaixonado por caminhões e por tudo movido a diesel.