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Processo trabalhista iniciado em Mato Grosso contribuiu para aprovação da Lei dos Caminhoneiros

A primeira parada foi na 1ª Vara do Trabalho Rondonópolis. Foi de lá que saiu, em dezembro de 2007, a decisão que alcançou caminhoneiros de todo o país: o controle da jornada dos motoristas de cargas.

Era só o começo de uma viagem cheia de idas e vindas, que incluiu três paradas no TRT de Mato Grosso, uma rápida passagem pelo Tribunal Superior do Trabalho, uma nova rota no TRT do Distrito Federal e, por fim, a Câmara Federal, onde as discussões desse processo judicial contribuíram para a aprovação de uma lei que mudou a jornada e intervalos dos motoristas profissionais de todo o Brasil.

Em um estado em que praticamente tudo que chega ou sai vai na carroceria de um caminhão, não é incomum que disputas envolvendo a labuta dos caminhoneiros aportem na Justiça do Trabalho. Mas esse caso marcou a história do TRT da 23ª Região (MT) e ganhou repercussão nacional nos principais programas de TVs e jornais do país.

Quando bateu às portas do judiciário trabalhista, por meio de uma ação civil pública apresentada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), o caso já acumulava muitos quilômetros rodados. O processo foi resultado da queixa da esposa de um caminhoneiro na Delegacia Regional do Trabalho em Rondonópolis. Ela disse que o marido trabalhava tanto e ficava tão ausente de casa que ela se sentia ‘viúva de marido vivo’. Foi o início de uma investigação que resultou na revelação de dados alarmantes da sobrecarga de trabalho.

O relatório final mostrou que a maioria passava dias e noites dirigindo, colocando muitas vidas em risco por causa da rotina exaustiva. A investigação confirmou que as estradas estavam cheias de motoristas cansados, estressados e que faziam uso de drogas para se manterem acordados.

Mortes na estrada

De carona com os muitos quilômetros rodados sem descanso, os acidentes: a cada cinco minutos, um caminhão se acidentou em rodovias federais no ano anterior ao ajuizamento da ação em Rondonópolis, conforme pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) a partir de registros da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Nos dois anos anteriores foram cerca de 110 mil acidentes envolvendo caminhões no Brasil. O número de mortes no setor de transporte ultrapassava 35 mil por ano, segundo o Ministério da Saúde. Quatro mortes por hora, uma a cada 15 minutos.

A ACP foi protocolada em 2007 na Justiça do Trabalho mato-grossense e antes que o ano jurídico estivesse finalizado, a decisão foi deferida em caráter liminar. A ordem era para que as transportadoras passassem a registrar a jornada dos motoristas por meio de ficha de controle e que tanto as empresas quanto os caminhoneiros autônomos também registrassem os discos dos tacógrafos de seus caminhões com informações como placa, data e nome do condutor. A ação do MPT também requeria a restrição da circulação de caminhões entre as 22h e as 5 horas, mas esse ponto não foi deferido na liminar.

Percalços

Logo de saída, o primeiro percalço: a decisão foi noticiada por grandes veículos da imprensa com o equívoco de que a liminar determinava a jornada que os motoristas deveriam cumprir. Assim, foi comum naquele janeiro de 2008, mês que a decisão passou a valer, manchetes como “Justiça limita jornada para motoristas” ou ainda “os caminhoneiros do país terão de trabalhar somente 8 horas por dia e 44 horas por semana.” Foi o combustível para fazer o caso ultrapassar as fronteiras do estado e ganhar as manchetes nacionais.

A Justiça precisou esclarecer que a decisão em nenhum momento fixava a jornada de trabalho dos caminhoneiros. Limitava-se a determinar que empresas e autônomos fizessem o registro das jornadas em fichas, papeletas e discos dos tacógrafos.

“Trata-se apenas de atos de documentação que possibilitarão o efetivo conhecimento da jornada de trabalho desenvolvida pelos motoristas, empregados e autônomos. Com isso, será possível apurar a extensão do problema e, no provimento final (julgamento do mérito do processo), determinar as medidas necessárias à efetivação dos direitos previstos na Constituição da República”, esclarecia a nota enviada à imprensa.

Mandados de Segurança

A liminar foi alvo de pelo menos três mandados de segurança propostos pela Confederação Nacional dos Transportadores (CNT) e julgados no TRT de Mato Grosso. Além da CNT, eram partes na ação o Sindicato das Empresas de Transporte de Carga no Estado de Mato Grosso (Sindmat) e a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT).

Embora não houvesse a determinação de que a jornada de trabalho fosse de oito horas, as empresas queriam evitar o controle das horas trabalhadas.

Os primeiros processos foram extintos por falta de documentação ou pagamento de custas ainda em janeiro de 2008. Assim, foi mantida a exigência do registro de jornada dos caminhões dirigidos por empregados e autônomos.

No mês seguinte, em plena terça-feira de carnaval, nova decisão: o juiz plantonista determinou a desobstrução imediata da BR 364, em Rondonópolis. O pedido do MPT argumentava que o protesto de caminhoneiros ligados às empresas colocava em risco as pessoas que precisavam trafegar na rodovia e violava o direito de ir e vir assegurado pela Constituição.

Pit Stop: TST

A exigência do registro das jornadas caiu no mês seguinte com o julgamento de novo mandado de segurança pelo Pleno do TRT-23, colegiado que reúne todos os desembargadores do Tribunal, sob o argumento que a Vara do Trabalho de Rondonópolis não tinha competência para o caso. Como a ação foi proposta em prol dos motoristas que trabalham em todo território mato-grossense, a competência territorial era de uma das varas de Cuiabá, capital do estado.

O julgamento foi considerado acertado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) ao julgar recurso do MPT, que pedia o restabelecimento da decisão liminar sob o argumento de iminente risco de lesão à segurança e à saúde da sociedade com a suspensão da exigência.

Embora registrasse que o tema era de interesse social e que o cumprimento das normas que tratam da limitação de jornada e horário de repouso do trabalhador cabem às autoridades trabalhistas, o TST manteve a cassação da liminar com base na incompetência do juízo.

Recalculando Rota

Um novo itinerário teve início no fim de 2008. Para agilizar a decisão final da ação, o caso foi enviado para a Justiça do Trabalho do Distrito Federal, para ser julgado por uma das varas de Brasília. O envio foi determinado pelo próprio juízo de Rondonópolis, atendendo um pedido do MPT, após a concordância sobre a questão da competência territorial.

O entendimento levou em conta a tendência do TRT mato-grossense, que na época havia julgado um recurso com base em jurisprudência do TST de que a competência para julgar Ação Civil Pública de reparação de danos de abrangência nacional é da Justiça do Trabalho do Distrito Federal.

Caminhos cruzados

Nesse ponto da viagem, uma convergência: o caminho percorrido pela Ação Civil Pública encontrou o do projeto de lei que tramitava na Câmara Federal, também iniciado em 2007, exatamente para regular a profissão de motoristas e a jornada e o tempo de direção desses profissionais.

Foi assim que a ACP nascida em Mato Grosso contribuiu para compor a norma que ficou conhecida como a Lei do Caminhoneiro ou Lei do Descanso, a Lei 12.619/2012.

Amplamente discutida por mais de cinco anos, a nova lei foi resultado de um consenso entre as confederações representantes das categorias econômica e profissional e de parlamentares, com concessões recíprocas para que o texto final fosse aprovado. A norma se propunha a pôr um ponto final no longo caminho nas discussões sobre o tempo máximo da jornada e o pagamento de horas extras para condutores do transporte de cargas e de passageiros.

Entre as principais mudanças, ficou definido que o controle da jornada era um direito contratual do trabalhador, cabendo ao empregador fazê-lo, podendo se valer de anotações em papeleta ou ficha de trabalho externo ou de meios eletrônicos instalados nos veículos.

Mas a norma que entrou em vigor em abril de 2012 teve vida curta. Três anos depois, também em março, uma nova Lei dos Caminhoneiros passou a valer, a Lei 13.103/2015. Esta nasceu de um projeto de lei apresentado um ano antes, 2014, e disciplinou a carga horária e o tempo de direção dos motoristas, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A norma regulamenta o exercício da profissão de motoristas de transporte rodoviário de cargas e de passageiros e, entre outros pontos, reduz horários para descanso e alimentação, além de exigir a realização de exame toxicológico.

Lei do Caminhoneiro de 2012 e de 2015

A lei de 2012 estabelecia que a jornada diária de trabalho do motorista profissional seria a estabelecida na Constituição, ou seja, não seria superior a 8 horas diárias e 44 semanais, com até 2 horas extras diárias. Já a lei de 2015 manteve a jornada de 8 horas, contudo permitiu a prorrogação das horas extras para até 4 horas diárias, desde que aprovada por negociação coletiva.

Outra mudança se deu quanto ao intervalo entre uma jornada e outra de trabalho. Pela lei de 2012, o intervalo interjornada para o motorista profissional era de 11 horas. A lei mais recente dispõe que é assegurado o intervalo de 11 horas, mas permite a coincidência com os intervalos de parada obrigatória e o fracionamento do repouso em dois intervalos, sendo o primeiro de 8 horas ininterruptas e o segundo, de três horas, a ser gozado dentro das 16 horas seguintes ao fim do primeiro período.

A viagem pelos caminhos jurídicos desse tema tão palpitante continua com mais uma parada: o Supremo Tribunal Federal (STF). A validade de diversos dispositivos da Lei dos Caminhoneiros de 2015 está sendo avaliada pela suprema corte.

Trata-se de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), que questiona diversos pontos da Lei 13.103. A entidade alega que a norma, ao reduzir os horários de descanso e alimentação dos motoristas, viola a Constituição Federal, que prevê redução de riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Até a interrupção do julgamento em agosto de 2022, por pedido de vista, três ministros haviam se manifestado. Todos eles concluíram pela inconstitucionalidade de diversos pontos da lei, em especial os relacionados a horários de descanso. Para o relator, 11 dispositivos são inconstitucionais, dentre eles a possibilidade de fracionamento da interjornada de 8h e a exclusão do tempo de espera no cômputo da jornada e no cálculo das horas extras.

Em 2012, ano em que a primeira Lei do Caminhoneiro entrou em vigor, havia 2,3 milhões de caminhões rodando pelas estradas do Brasil. Dados da Secretaria Nacional de Trânsito do Ministério da Infraestrutura mostram que esse número saltou para 3,5 milhões de caminhões em 2022.

Apesar do aumento do número de veículos na estrada, a pesquisa Perfil do Caminhoneiro Brasileiro, feita em 2021 pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Fundação Childhood, mostrou problemas que impactam fortemente a vida desses trabalhadores como má qualidade das rodovias e nas condições dos pontos de paradas, queda na renda média e muito tempo afastados das famílias. Os dados revelam que ainda existe um extenso trecho a ser percorrido para melhorar a qualidade de vida desses caminhoneiros, responsáveis por transportar a maior parte da produção do país na carroceria.

Fonte: TRT da 23ª Região (MT)

Rafael Brusque - Blog do Caminhoneiro

Nascido e criado na margem de uma importante rodovia paranaense, apaixonado por caminhões e por tudo movido a diesel.

2 thoughts on “Processo trabalhista iniciado em Mato Grosso contribuiu para aprovação da Lei dos Caminhoneiros

  • Luiz Carlos Simioni

    Aposentadoria aos 25 anos para esses heróis

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  • Luiz Carlos Simioni

    Tinha que brigar por aposentadoria aos 25 anos de profissão de motorista de caminhão,,, afinal e muito estressante, 25 anos equivalente a quase 50 contando hrs trabalhando e noite também

    Resposta

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